O que é o iodato de potássio e como funciona no organismo
O iodato de potássio (KIO₃) apresenta-se como um pó cristalino branco, solúvel em água, cuja introdução na alimentação humana ganhou relevo logo no início do século XX. Tal composto fornece iodo — elemento essencial para a produção dos hormônios tireoidianos tiroxina (T₄) e triiodotironina (T₃). Estes hormonas são cruciais para o metabolismo basal, influenciação do ritmo cardíaco, desenvolvimento neurológico em recém‑nascidos e crianças, bem como na manutenção da temperatura corporal. Em Portugal, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em colaboração com a Direção-Geral da Saúde, mostram que cerca de 35% dos adultos apresentam ingestão de iodo abaixo das 150 µg/dia recomendadas, deixando uma parte considerável da população vulnerável a disfunções tiroideias.
No Departamento de Química da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a investigadora Ana Ribeiro explica que o iodato de potássio brilha pela sua resistência: «Diferentemente do iodeto, que se degrada quando exposto a humidade ou calor, o iodato permanece estável, evitando perdas de iodo durante o transporte e armazenamento», sublinha. Esta característica torna-o especialmente valioso em regiões de clima tropical ou subtropical — casos clássicos das campanhas de saúde pública na Amazónia, no nordeste do Brasil ou em várias nações do Sudeste Asiático, onde a fortificação com iodato demonstrou melhores resultados a longo prazo.
Potenciais riscos e efeitos adversos
Dosagem e equilíbrio são palavras de ordem: o iodo é um nutriente essencial, mas em excesso pode gerar problemas. Ainda segundo a endocrinologista Mariana Matos, do Hospital de Santa Maria (Lisboa), houve um acréscimo de 12% nos casos de hipertireoidismo relacionados com suplementação exagerada em 2019. «Temos visto pacientes com ansiedade, tremores finos nas mãos, insónias e até palpitações cardíacas motivadas por doses que ultrapassam os 600 µg/dia», relata.
Em contexto de hipersensibilidade, estudos da Agência Europeia para a Segurança Alimentar apontam que ingestões superiores a 1.100 µg diários podem irritar o revestimento do estômago, originando náuseas, dores abdominais e, em casos extremos, ulceração da mucosa gástrica. Um estudo publicado pela Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa documentou cinco episódios de gastrite erosiva associados a suplementação excessiva de iodo, observados entre 2020 e 2023 no Hospital de São João, no Porto.
A nível autoimune, a investigadora do Centro de Estudos de Doenças Autoimunes da Universidade do Porto, Dra. Rita Ferreira, alerta para o agravamento de tiroidites: «Indivíduos com tendência genética para autoimunidade podem ver um aumento da inflamação glandular quando expostos a picos elevados de iodo.»
Quando e porquê se adotou na indústria alimentar
A fortificação de sal com iodo começa em 1922, na Suíça, onde se combateu de forma eficaz o bócio endémico nas regiões alpinas. Pouco depois, em 1924, os Estados Unidos seguem o exemplo, mas optam pelo iodeto de potássio por ser mais barato. Contudo, em ambientes quentes e húmidos, o iodato rapidamente se assume como alternativa superior.
No Brasil, a ANVISA institui em 1956 a obrigatoriedade do iodato de potássio no sal de mesa. A medida, reforçada por programas estatais de controle nutricional em municípios do Maranhão e Piauí, reduziu a incidência de bócio em mais de 70% até final da década de 1960. O endocrinologista Carlos Eduardo Nunes, da Universidade Federal do Ceará, recorda: «Aqueles anos foram determinantes. Vi crianças deixarem de apresentar bócio gigante graças ao novo sal.»
Em Portugal, embora sem obrigatoriedade legal, várias marcas nacionais — Sal Pingo Doce Iodado, Saldomar Cristal Iodado e Sal Marinho Iodado Continente — adicionam entre 20 e 50 mg de iodato por quilograma. A Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e Metabolismo, em parceria com a OMNICARE, promove campanhas em farmácias para sensibilizar sobre a leitura de rótulos e a necessidade de consultar o médico antes de iniciar qualquer suplementação.
Regulamentações pelo mundo fora
União Europeia: o Regulamento (UE) 201/2013 permite o uso de iodato de potássio apenas para iodação de sal de cozinha e proíbe a sua aplicação em pães e farinhas como agente de branqueamento, preferindo compostos como o ácido ascórbico (E300).
Estados Unidos: o FDA aprova o iodato para condicionamento de massas (dough conditioners), mas, no sal de mesa, mantém o iodeto de potássio. Health Canada segue linha semelhante, restringindo o iodato a usos técnicos.
Brasil e Argentina: obrigatoriedade de iodação do sal com iodato desde 1956 e 1967, respetivamente, regulamentadas pelo Ministério da Saúde no Brasil e pelo Instituto Nacional de Alimentos (INAL) na Argentina.
China: desde 1964, a fortificação nacional do sal com compostos iodados levou a uma cobertura de 95% da população, segundo dados da National Health Commission of China.
Austrália: em 2009, tornou obrigatório o uso de sal iodado em pães comerciais, revertendo indicadores de deficiência de iodo em crianças de 28% para 5% até 2015, conforme relatório da Universidade de Sydney.
Projeto de Lei 25 do Texas: alerta vermelho na rotulagem
No seio do legislativo texano, o SB 25, baptizado de "Make Texas Healthy Again", ganhou luz verde a 22 de junho de 2025, aguardando apenas a assinatura do governador Greg Abbott. O texto, patrocinado pelos senadores Beverly Powell e Roland Gutierrez, impõe avisos nos rótulos de produtos contendo ingredientes banidos ou com aviso em outras jurisdições — entre eles o iodato de potássio, o dióxido de titânio (E171) e óleos parcialmente hidrogenados.
A partir de 1 de janeiro de 2027, as embalagens deverão ostentar o selo: "Advertência: contém iodato de potássio, cuja ingestão excessiva pode causar distúrbios da tiroide". A Texas Medical Association e a liga Consumer Watchdog dividem-se quanto ao impacto: uns saúdam a transparência, outros receiam alarmismo sem suporte científico sólido.
Por que temos de estar atentos
Não se trata de demonizar um composto que, em doses controladas, salva vidas. Trata-se, isso sim, de lembrar que a diferença entre suplemento e veneno está na dose — a famosa máxima atribuída a Paracelso. Ler rótulos, discutir com o seu médico ou farmacêutico, e perceber a origem do sal que tempera a sua mesa são passos tão simples quanto cruciais.
Em Portugal, onde a gastronomia valoriza o sal marinho artesanal, urge garantir que cada grão traz exactamente aquilo de que precisamos — nem mais, nem menos. Afinal, tal como aquele amigo que insiste no sal extra no cozido à portuguesa, mais nem sempre é melhor.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.