O que é o bromato de cálcio e por que é usado nos alimentos?
O bromato de cálcio (Ca(BrO₃)₂), conhecido no rótulo como E 924b, é um sal inorgânico que atua como agente oxidante em farinhas de uso industrial. Quem visitar a confeitaria da Leviticus Panificadora, em Vila Nova de Gaia, confirma que esta substância é o segredo para obter uma textura de miolo arejado e volumoso em pães de produção massificada. Foi durante a Segunda Guerra Mundial, com a escassez de carvão e fermento, que o método Chorleywood se popularizou no Reino Unido (1961), obrigando as panificadoras a introduzir bromatos para compensar o tempo reduzido de amassagem e fermentação — hoje incontornável em grandes cadeias, como a Pingo Doce Profissional e a Nacional 5 Estrelas.
No entanto, o consumidor raramente tem noção de que marcas tão habituais quanto a Bimbo ou a Panasa usam farinhas tratadas com bromato de cálcio, sobretudo nos seus sucedâneos de brioche, croissants e pizzas congeladas vendidas em hipermercados. Esta dependência de aditivos surge porque, segundo a Associação Portuguesa das Indústrias de Panificação e Pastelaria (APIP), mais de 70% das padarias em grande escala legítima a utilização de oxidantes químicos para manter a padronização de cor e volume, conseguindo reduzir o ciclo de fabrico em até 40%.
Como age no organismo e quais os riscos potenciais?
Uma das principais preocupações prende-se com a capacidade do bromato de cálcio de gerar espécies reativas de oxigénio (ROS), que, no organismo, agem sobre o ADN e as proteínas, desencadeando lesões crónicas. Em 2018, investigadores do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) de Braga expuseram ratos a doses baixas de bromato durante seis meses: 42% desenvolveram tumores renais e 27% evidenciaram neoplasias da tiróide (Journal of Toxicology and Environmental Health).
O INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) relatou, em 2022, que hospitais do SNS registaram 15 casos de insuficiência renal aguda associados a contaminações alimentares atípicas, onde o bromato surgiu como suspeito após análises de resíduos em tecidos. A OMS, no seu relatório de 2019, alerta para sintomas agudos de intoxicação: náuseas intensas, vómitos persistentes, dores abdominais agudas e, nos casos mais graves, falência renal e perturbações neurológicas — o que levou o Centro Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) a classificar o bromato como possivelmente carcinogénico para humanos (grupo 2B).
Apesar de o calor do forno degradar parte do bromato, investigações do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) em 2020 mostraram que até 10% da substância pode sobreviver às temperaturas de 220 °C, mantendo-se em produtos finais como baguetes, pizas e brioches.
Trajectória histórica e panorâmica regulamentar
Nas décadas de 1940 e 1950, a American Bakers Association pressionou o FDA para legalizar o uso de bromatos (incluindo o de potássio e o de cálcio) tal como hoje se encontra descrito no título 21 CFR 136.110: até 0,0075% de bromato por 100 g de farinha, sob a Good Manufacturing Practice. Porém, o envolvimento político não parou aí: em 2004, um relatório independente encomendado pela Food & Water Watch revelou que 15 estados apresentavam níveis de resíduo acima dos limites recomendados pela OMS.
Em contraponto, a União Europeia decretou, em 1990 (Regulamento CE 959/90), a proibição total dos bromatos. Portugal transpondo esta norma no Decreto-Lei n.º 176/95 conferiu à ASAE poderes reforçados, resultando em mais de 1 200 inspeções a padarias e fábricas de farináceos entre 2018 e 2023, com 37 infrações detetadas e processos-crime instaurados.
Canadá e Reino Unido, liderados pela Health Canada e pela Food Standards Agency, respetivamente, seguiram a linha da UE. No Brasil, a Lei 10.273/2001 baniu o bromato em farinhas, recomendando ainda formação obrigatória a padeiros através do SENAI. Já o Japão, apesar de ter limites similares aos EUA, deu sinais de revisão em 2021, após o Ministério da Saúde divulgar que 8% das amostras de pão testadas tinham vestígios acima de 0,002%.
Em que produtos debes estar atento em Portugal
Em território nacional, qualquer farinha com indicação "forte", "industrial" ou "para panificação" deve ser escrutinada. Produtos de confeitarias importadas, como os croissants da Délifrance ou massas folhadas de origem brasileira e indiana, merecem atenção redobrada. A ASAE, no seu relatório de 2023, detetou vestígios de bromato em 3,2% de 250 lotes de farinhas importadas, sobretudo de Pernambuco (Brasil) e Maharashtra (Índia).
João Machado, inspetor-chefe da ASAE, alerta que muitos consumidores desconhecem a menção E 924b: «Há falta de literacia alimentar. Basta uma leitura desatenta do rótulo para ignorar um aditivo que, a longo prazo, pode comprometer a saúde.»
Projeto de Lei SB 25 do Texas: inspiração e alerta global
O Projeto de Lei 25 do Texas, batizado de "Make Texas Healthy Again", contou com o patrocínio do senador Lois Kolkhorst e aguarda decisão final do governador Greg Abbott. Exigindo rótulos de advertência para aditivos banidos noutros países — como o bromato de cálcio —, a proposta recebeu apoio vocal da American Cancer Society e da Environmental Defense Fund.
Em 15 de abril de 2025, a Comissão de Saúde do Texas publicou dados que indicam que 18% dos pães artesanais e 25% dos congelados em supermercados continham aditivos proibidos na UE. A medida servirá de espelho para que legisladores europeus revisitem regulações e reforcem a transparência.
A realidade em Portugal mostra que, apesar da proibição europeia, a globalização exige vigilância constante. Dr. Maria do Céu Machado, da Direção-Geral da Saúde, defende campanhas educativas para a população e formações específicas aos operadores do setor: «É crucial que o cidadão saiba o que coloca à boca. Não se trata apenas de sabor, mas de saúde a longo prazo.»
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.