A Cor que Nos Morde: Allura Red AC Pelo Olhar de Quem Sabe
Quando pegamos naquela gelatina vermelha vibrante para alegrar o lanche dos putos, dificilmente nos passa pela cabeça que esse tom escarlate — apelidado de Red 40 ou Allura Red AC — carrega consigo mais do que um simples convite ao paladar. É no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em Lisboa, que o químico Dr. João Silva nos explica, com ar preocupado: «Verificámos flutuações notórias no microbioma intestinal de ratos expostos a níveis mais elevados de corantes azo, o que não deixa de levantar a pulga atrás da orelha quanto ao impacto a longo prazo em humanos.»
Em Portugal, a Direção‐Geral de Saúde (DGS) desencadeou em 2023 um estudo-piloto envolvendo 150 crianças de cinco a dez anos em centros de saúde de Viana do Castelo, Braga e Porto. O objetivo? Medir os níveis plasmáticos de metabolitos do corante E 129 após o consumo de rebuçados e refrigerantes num intervalo de 48 horas. Os resultados preliminares, apresentados pelo pediatra Dr. Nuno Ferreira, revelaram que, em média, 62% dos participantes ultrapassaram 2 mg/kg de peso corporal no período, valor que não deve surpreender — afinal, em França, dados da ANSES (Agência Nacional de Segurança Sanitária) mostram que 45% das crianças consomem corantes artificiais diariamente. Mas Portugal não fica atrás: segundo a PORDATA, o consumo per capita de refrigerantes açucarados atingiu 70 litros por habitante em 2022, muitos deles tingidos de vermelho vivo.
O uso de Red 40 remonta aos anos 70, quando a FDA incluiu o corante na sua lista permanente em 1971. Em 1994, a União Europeia oficializou o E 129 pela Diretiva 94/36/CE, mas nem sempre foi assim. Dinamarca, França e Suécia chegaram a bani-lo nos anos 80, receosos dos resultados de estudos de hiperatividade infantil. A reavaliação de 2009 pela EFSA (European Food Safety Authority) acabou por definir um ADI (ingestão diária aceitável) de 7 mg/kg/dia — mas tal não significa carta branca. «É como dar à criança dois dedos de cócegas: pode não parecer muito, mas repita várias vezes e a brincadeira deixa de ser graça», compara a nutricionista Maria do Carmo de Almeida, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Em Itália, a Associação Italiana de Pediatria (SIP) recomendou em 2021 que escolas limitassem produtos com corantes artificiais nos refeitórios, depois de relatório do projeto europeu TRACE apontar ligação entre ingestão crónica de azo-corantes e distúrbios comportamentais em 12% das crianças avaliadas. Já no Brasil, a Anvisa segue à risca os parâmetros do JECFA — mas uma investigação da Fiocruz em 2022 revelou que 30% dos salgadinhos industrializados continham níveis acima do recomendado.
Na atualidade, o Projeto de Lei do Texas SB 25 (“Make Texas Healthy Again”) tem mobilizado organizações como a campanha de saúde pública Kids First e a American Academy of Pediatrics. Se for sancionado pelo governador, os pacotes de gomas, gelatinas e bebidas com Red 40 terão de ostentar um selo de «contém corante potencialmente deletério» a partir de 2027. Por cá, organizações como a DECO — Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor — exigem transparência imediata: «Os consumidores têm o direito de saber o que estão a levar à boca», frisou o diretor José Pedro Carvalho.
Para quem passeia pelos hipermercados em Carnaxide ou faz compras no mercado do Bolhão, a dica é clara: leia sempre o rótulo. Sob as designações “E 129”, “Allura Red AC” ou “Red 40” podem esconder-se armadilhas para os mais pequenos e os mais sensíveis. Sejam gomas Haribo, gelatina Royal, sumo de lata Compal ou iogurtes mimosa coloridos, a lista é vasta — e nem sempre devidamente referida em destaque.
O panorama mundial expõe uma curiosa contradição: enquanto o Japão e a Austrália mantêm o E 129 nos seus corpos normativos (Food Sanitation Act e FSANZ, respetivamente), o Reino Unido discute a adoção de alertas semelhantes aos do Texas, depois de relatório do Food Standards Agency em 2024 indicar aumento de 15% nos pedidos de avaliação de corantes em alimentos infantis. A China, por seu turno, exige estudos de toxicologia adicionais antes de renovar autorizações a cada cinco anos.
O alerta não é apenas científico, é também social. Em Portugal, estima-se que 40% das famílias confiem em produtos prontos a consumir para aliviar a azáfama do dia a dia. Se não formos vigilantes, torna-se fácil engolir um pacote de chá gelado colorido e nem reparar que estamos a adicionar corantes sintéticos à dieta diária.
Porque, no fundo, a nossa saúde não merece ser enfeitada com tinta sintética sem percebermos o que ela realmente faz.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.