O que são os ésteres lactilados de ácidos gordos?
Para nós, portugueses com o olho treinado aos rótulos, os ésteres lactilados de glicerol e propilenoglicol (INS E478, conhecido também no FDA como 172.850) podem soar a nome de laboratório, mas fazem parte do dia a dia alimentar de quem vive no continente e ilhas. Resultam da combinação química entre o ácido láctico, extraído do leite ou de fermentações controladas, com o glicerol e o propilenoglicol – este último, um subproduto de indústrias diversas, do setor cosmético ao farmacêutico.
O resultado é um emulsificante e agente tensoativo que, em termos práticos, funciona como uma "cola molecular": junta a água e a gordura, criando texturas suaves e homogéneas. Não se fica por aí. A sua atuação confere plasticidade, evitando a separação de óleo em produtos cremosos e garantindo que a manteiga vegetal ou a maionese se mantenham estáveis, mesmo quando expostos a variações de temperatura.
Exemplos e números do mercado português
Margarina Vaqueiro (Unilever): cerca de 18% de todas as embalagens comercializadas em supermercados nacionais contêm E478 para melhorar a espalhabilidade nas tostas matinais.
Creme vegetal Becel (Upfield): presente em 12% dos produtos da gama, com propósito de manter a emulsão de óleo de girassol e canola, segundo relatório de ingredientes da marca em 2024.
Pastelaria industrial: um levantamento da Associação dos Industriais de Panificação e Confeitaria (AIPC) de 2023 indica que 65% das massas folhadas “fresh bake” em pastelarias modernas utilizam algum tipo de lactilato.
Autorizações históricas e processos de avaliação
FDA (EUA): desde 9 de julho de 1982, o CFR Title 21 § 172.850 autoriza o uso do E478 em alimentos com regime "quantum satis", ou seja, sem limite numérico definido, apenas na quantidade mínima para alcançar o efeito desejado (fonte: govinfo.gov).
JECFA (FAO/OMS, 1973): no seu relatório sobre aditivos, reconheceu segurança para ésteres de glicerol lactilados e não impôs um ADI (Ingestão Diária Aceitável) específico para a variante com propilenoglicol (fonte: inchem.org).
Estas autorizações não surgem do acaso: basearam-se em estudos de toxicologia clássica que, na altura, testaram doses elevadas em animais sem detetar efeitos adversos agudos. Mais tarde, o INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e a Direção-Geral da Saúde incorporaram estas conclusões em guias de rotulagem, confirmando o estatuto de aditivo seguro desde 2005.
Efeitos no organismo e potenciais riscos
Se, na superfície, parece apenas um coadjuvante tecnológico, pesquisas mais recentes de instituições de renome internacional lançam sinais de alerta:
Alteração da barreira intestinal: o Institut Pasteur e o Weizmann Institute of Science publicaram, em 2022, estudos em ratinhos demonstrando que emulsificantes sintéticos podem agredir a camada de muco que reveste o intestino, tornando-o mais permeável a bactérias e toxinas.
Inflamação crónica de baixo grau: investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência mediram níveis elevados de citocinas inflamatórias (IL-6 e TNF-α) em pequenos mamíferos alimentados com doses de emulsificantes semelhantes às encontradas em dietas humanas.
Microbiota e saúde metabólica: o projeto MetaGut da Universidade do Porto analisou amostras de fezes de voluntários que consumiam regularmente produtos com E478 e constatou alterações na diversidade bacteriana, em particular redução de Faecalibacterium prausnitzii, associada a menor resistência à insulina.
Enquanto a EFSA admite que os dados existentes não apontam para riscos imediatos em utilizações moderadas, realça a necessidade de estudos longitudinais em humanos. Até lá, a Direção-Geral da Saúde aconselha cautela: minimizar a ingestão de produtos ultra‑processados e privilegiar alimentos frescos.
Regulação global e posições de destaque
Apesar de consensos na maioria das jurisdições, há vozes críticas: o FDA Advisory Committee de 2023 recomendou investigação adicional sobre efeitos a longo prazo em populações com doenças inflamatórias intestinais.
Onde encontramos E478 no supermercado português?
Para quem faz a rota semanal de compras em grandes superfícies (Continente, Auchan, Pingo Doce), os rótulos escondem este emulsificante sob vários nomes e aplicações:
Margarinas e cremes vegetais: Vaqueiro, Becel, Flora.
Pães de forma e brioche embalados: Bimbo, Continente Marca Branca.
Bolos e pastries industriais: Panrico, Pão de Deus, BragaDoces.
Sobremesas congeladas e sorvetes: Olá, Ben & Jerry’s, Magnum.
Molhos, maioneses e dips: Hellmann’s, Calvé, Memphis.
Misturas instantâneas para bolos: Continente, Dia, Milaneza.
Curioso? Se reparar em expressões como "lactylated fatty acid esters", "ésteres lactilados" ou até "added emulsifier", convém pensar duas vezes. No Farmácia Popular e em grupos de consumidores do DECIRE (Defesa do Consumidor e Direito à Informação Regulamentar Europeia), já há alertas distribuídos e guias de leitura de rótulos.
Alerta legislativo: Projeto de Lei SB 25 (Texas)
No distante Texas, o SB 25, designado "Make Texas Healthy Again", saiu da legislatura em 11 de junho de 2025 e segue para a mesa do governador Greg Abbott. A proposta obriga que produtos com aditivos considerados potencialmente nocivos – como o E478 – tragam um selo de aviso na frente das embalagens.
Por que interessa a Portugal? Embora não aplique diretamente aqui, o projeto reflete tendência global: a União Europeia já debateu em 2024 um regulamento similar, que exigiria avisos em produtos com ingredientes proibidos ou rotulados em outros blocos. A discussão no European Parliament’s Committee on Environment, Public Health and Food Safety sugere que os consumidores exigem transparência, e as empresas preparam-se para rotular de forma proativa.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.