Efeitos no organismo humano
O lauril sulfato de sódio (SLS) anda por aí em tantas coisas que às vezes nem damos por ele. No nosso organismo, é um surfactante aniónico que pode deixar o estômago e os intestinos mais sensíveis. Vários estudos, incluindo investigações do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) do Porto, indicam que, ainda que em quantidades mínimas, detergentes como o SLS aumentam a permeabilidade intestinal e podem causar inflamação. Quando isso acontece, abre-se a porta a doenças como a doença de Crohn ou a colite ulcerosa, e até a problemas de absorção de nutrientes, conforme apurou uma equipa da Universidade de Coimbra em 2023.
Experiências em roedores, realizadas pela NOVA Medical School em Lisboa nos anos 80, mostraram que a ingestão contínua de SLS comprometeu as vilosidades intestinais — aquelas estruturas microscópicas que parecem dedos dentro do intestino e ajudam na absorção de nutrientes. Alguns ratinhos desenvolveram atrofia irreversible das vilosidades, um dado que faz soar o sinal de alerta para populações vulneráveis, como bebés e idosos.
Para além dos estragos no aparelho digestivo, o SLS anda também na pele e nos olhos. A Ordem dos Farmacêuticos e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge publicaram relatórios onde associam o contacto prolongado com SLS a irritações cutâneas, secura excessiva da pele e até conjuntivite provocada por lacrimejo de olhos após ingestão de bebidas que contenham o aditivo.
Substâncias que desequilibram a microbiota intestinal não são brinquedo, e há quem diga que o SLS anda a mexer com o nosso microbioma. Um estudo recente do Centro de Investigação em Saúde Pública da Universidade do Minho concluiu que a exposição crónica a surfactantes como o SLS pode reduzir a diversidade bacteriana no intestino e favorecer o crescimento de bactérias pró-inflamatórias. E, como se costuma dizer, um intestino inflamado é meio caminho andado para problemas de saúde mais graves.
Uso, função e histórico industrial
Não se pense que o SLS nasceu para ser prato de comida; foi desenvolvido na década de 1930 como detergente para desengordurar motores, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo químico alemão Fritz Schuck. Só depois, na década de 1950, é que a indústria cosmética — tanto a L'Oréal em França como a Avon nos EUA — lhe encontrou uma aplicação para xampus e sabonetes por causar espuma abundante. Só em meados dos anos 70, e já depois de a Procter & Gamble ter aprofundado as pesquisas de segurança, o SLS fez a sua entrada triunfal nas fábricas de alimentação.
Nos Estados Unidos, o FDA declarou-o Generally Recognized as Safe (GRAS) em 1977 e permitiu o seu uso em claras de ovo em pó (até 1 000 ppm), claras líquidas congeladas (125 ppm), marshmallows (0,5 % do peso da gelatina) e bebidas gaseificadas. Em Portugal, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) segue as normas da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e permite o uso de SLS em mousses, espumas e cremes de confeitaria, sempre que cumpridos os requisitos de pureza e boas práticas de fabrico.
O propósito? Tornar produtos mais apelativos ao paladar e agradáveis ao olho: o SLS reduz a sensação de doçura por uns segundos e cria aquela espuma fofa nos mousses do restaurante Casa de Pasto, em Lisboa, ou nos marshmallows da marca nacional Bombo Bem.
Regulação global e postura dos principais países
Estados Unidos
Regulamentado pelo Code of Federal Regulations (CFR) 21 §172.822, o SLS deve ter pureza superior a 90 % e apenas pode ser usado em quantidades seguras, definidas por lei. Se um fabricante de velas gelatinosas quiser aventura-se a usar SLS, tem de respeitar os limites máximos e submeter o produto a testes microbiológicos, conforme exige o FDA.
União Europeia
Na UE, é identificado como E 487 e enquadra-se na Regulamentação (CE) n.º 1333/2008, com regras de pureza no Regulamento (UE) n.º 231/2012. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) avaliou o SLS em 2018 e considerou que, apesar de não haver valor de ingestão diária aceitável formalmente definido, o uso dentro de boas práticas de fabrico não representa risco imediato para o consumidor.
Canadá
A Health Canada inclui o SLS nas Food and Drug Regulations, B.16.100. Para claras de ovo desidratadas, o limite é de 0,1 % e para claras líquidas congeladas 0,0125 %. Em 2022, estipulou um Acceptable Daily Intake (ADI) de 0,86 mg/kg de peso corporal.
Mercosul (Brasil)
A ANVISA segue o Codex Alimentarius, permitindo o SLS nas mesmas categorias sem impor restrições adicionais. Já o Ministério da Saúde do Chile recomenda sinalização especial em snacks prontos para consumo que contenham surfactantes.
Ásia (Japão e China)
O Japão, pela Food Safety Commission, e a China, pela National Health Commission, baseiam-se no Codex Alimentarius. Ambos permitem o SLS em mousses e espumas, desde que se respeitem os princípios de GMP (Good Manufacturing Practices).
Presença em alimentos em Portugal e impacto do Projeto SB25 no Texas
Em Portugal, não é difícil dar com o SLS nas prateleiras do Continente, no Pingo Doce ou no Lidl. Além das claras industriais da marca Brio, há mousses refrigerados da marca Agros que usam o aditivo para manter a textura leve até ao fim do prazo de validade. E quem nunca provou os famosos marshmallows da Bombo Bem na faina das festas de aniversário?
O Projeto de Lei 25 do Texas (SB 25), batizado de “Make Texas Healthy Again”, entrou em vigor na legislatura passada e aguarda a assinatura do governador Greg Abbott. Coloca o SLS na lista de ingredientes que exigem rótulo de advertência: “não recomendado para consumo pelas autoridades da União Europeia, Austrália e Canadá”. A lei só impacta produtos rotulados a partir de 1 de janeiro de 2027, mas já fez soar alarmes na indústria. Num webinar recente organizado pelo Instituto de Estudos Alimentares da Universidade do Texas em Austin, representantes de fabricantes como General Mills e Kellogg’s discutiram como adaptar receitas sem perder consistência.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.